EMILY DICKINSON
Emily Dickinson, a poesia e o isolamento da mulher no século XIX:
Resgatada com grande força pelo movimento feminista na década de 1960, a obra de Emily Dickinson, uma das maiores poetisas de todas as épocas, é um dos raros e valiosos testemunhos poéticos da opressão da mulher na sociedade moderna
Emily Dickinson é uma das raras escritoras que registra a história da literatura no século XIX, e foi uma das maiores delas. A literatura escrita por mulheres é mais propriamente um fenômeno do início do século XX. Sua presença é uma constante entre os movimentos modernistas das primeiras décadas do século passado. Antes disso, elas aparecem com relativa freqüência apenas em países com uma vasta tradição literária, como a inglesa ou a francesa. Ela é, portanto, um fenômeno anômalo, e como tal, muito muito importante para compreender as primeiras manifestações da luta da mulher pela sua libertação.
Sua vida chama a atenção pela monotonia e completa ausência de fatos significativos. Viveu praticamente toda a vida no isolamento de uma afastada comunidade no interior da Nova Inglaterra, uma situação que contrasta vivamente com a originalidade e profundidade de sua poesia. Uma contemporânea sua, por exemplo, Margaret Fuller, tem uma biografia que parece justificar a qualidade de seus escritos. Foi crítica literária, jornalista e editora de um jornal em uma época em que este era um posto impensável para uma mulher. Traduziu textos de Goethe e foi correspondente de guerra durante a guerra civil italiana que antecedeu a independência do país, morrendo no naufrágio de seu navio quando retornava aos Estados Unidos. Foi precursora do feminismo, defensora dos direitos das mulheres e autora do estudo pioneiro A Mulher no Século XIX. Uma mulher realmente fora dos padrões da época, e como Emily Dickinson, também natural de Massachussets. A biografia de Dickinson, porém, contrasta vivamente com a dela.
Sua vida confunde-se com a vida de milhares de mulheres em sua época. Viveu toda a vida com os pais, trabalhou como governanta na juventude, experimentou alguns casos amorosos, na maioria platônicos, passou suas tardes cuidando das flores do jardim, viajou por breves períodos à casa de parentes nas cidades ao redor, cuidou dos pais na velhice e morreu solteira, solitária, tendo nas cartas seu único contato com o mundo exterior. É estranho que tenha sido possível uma biografia como esta esconder a obra literária rica e volumosa de uma mulher sensível aos fatos que aconteciam ao seu redor.
Contemporânea de Walt Whitman e da Guerra Civil norte-americana, Emily publicou ao longo da vida menos de uma dezena de poemas sem assinatura, editados e modificados por seus editores. Manteve, afora isso, sua atividade como uma coisa quase secreta, conhecida apenas de um reduzidíssimo círculo de amigos íntimos. Era, por isso, mais associada a uma jardineira solteirona, estranha e solitária do que a uma mulher de letras, uma poetisa. Mais estranho ainda que ela viesse a se revelar, décadas mais tarde, como uma das mais extraordinárias poetisas de todos os tempos. Considerada por certos críticos, a maior poetisa dos Estados Unidos e uma das maiores em língua inglesa.
Emily Dickinson viveu em um tempo em que nada se esperava de uma mulher a não ser obediência e respeito aos homens e à família; cujo destino estava selado de antemão: um casamento e uma vida de dedicação às tarefas domésticas, aos filhos e à religião. Uma situação de opressão absurda cuja conclusão necessária era a progressiva anulação da personalidade feminina, o silêncio e o completo embotamento da sensibilidade e do espírito. É extraordinário, portanto que ela tenha conseguido manter alguma independência e principalmente, que tenha conseguido se expressar literariamente, que tenha sido capaz de criar a obra que criou, ainda mais que o tenha feito sem nunca publicá-los, cultivando secretamente esta expressão e discutindo com uns poucos amigos de letras que teve.
Uma marca de seus escritos é a independência formal das regras poéticas estabelecidas na época, utilizando uma sintaxe e pontuação originais, encarados com desdém pelos editores que se comprometeram a publicar seus trabalhos, e por isso mutilados. Apesar disso, ela nunca mudou sua maneira de escrever, sempre fiel à sua própria sensibilidade.
Era uma escritora romântica, obcecada com o problema da morte e da perda de amigos, amantes e entes queridos, problema que ela nunca soube lidar e que foi sempre um fator de grande crise em sua vida. Escreveu também muito sobre o amor em versos nada vulgares que sempre conseguiam unir a inspiração romântica dos homens que amou a problemas humanos mais gerais e universais. Em sua grande sensibilidade, escreveu muito também sobre a natureza ao seu redor, com a qual se relacionava como coisas vivas, as árvores, as montanhas, o mar, o sol. Tudo em seus versos adquiria um significado humano.
Mais do que tudo, a obra de Emily Dickinson é sobre a condição da mulher, seu isolamento real que era compartilhado em alguma medida por todas as mulheres de seu tempo. Muito bem a definiu o poeta Carlos Drummond de Andrade, que afirmou ter sido Dickinson uma “mulher ultra-sensível e fechada em si mesma como uma rosa que desabrochasse para dentro, cuja floração se revelasse por deslumbrante transparência”.
A própria decisão de não publicar sua poesia era parte de seu sentimento de estranhamento, de rejeição da sociedade em que vivia e que percebia estar em contradição com seus próprios impulsos. “Publicar é leiloar”, escreveu ela certa vez. E parecia fora de cogitação leiloar sua obra à sociedade norte-americana de sua época, uma violação de sua própria intimidade. É preciso considerar, incidentalmente, o caráter extremamente estreito da mentalidade da burguesia norte-americana na época, uma mentalidade que é estreita até hoje. “A alma escolhe sua Sociedade e fecha a porta”, e Dickinson fechou as portas de seu quarto para o resto do mundo. Tanto sentia que a poesia era uma forma de viver, de sentir, de se relacionar consigo mesma e com o mundo de forma despretensiosa, que encarregou a sua irmã de queimar todos os seus textos após sua morte. Foi graças à rejeição da irmã em acatar seu pedido que veio ao mundo a importante produção desta escritora. Cento e vinte e cinco anos após a morte de Emily Dickinson, a poesia que tanto refletiu sobre a imortalidade, tornou imortal sua autora. Um testemunho da alma isolada da mulher na sociedade moderna.
No isolamento de Amherst
Emily Dickinson nasceu em dezembro de 1830, no vilarejo de Amherst, em Massachusetts, na região da Nova Inglaterra, região Nordeste da costa norte-americana. Era a mais velha dos três filhos do advogado Edward Dickinson que além de passar a maior parte de sua vida como tesoureiro do tradicional Amherst College, durante cerca de 40 anos, foi também um proeminente político local. Foi deputado estadual e representou seu distrito no Congresso dos Estados Unidos. Seus filhos eram Emily, Lavínia e William Austin Dickinson.
Amherst, localizada na região do vale do Rio Connecticut, era na ocasião era uma vila extremamente isolada e praticamente nada tinha a oferecer a um jovem. Emily Dickinson passou quase toda sua vida ali, quase em reclusão. Era tida pela comunidade, absurdamente provinciana, como uma excêntrica e é lembrada por um temperamento tímido e introspectivo diante dos estranhos, mas intensa e passional pelos amigos.
Os Dickinson chegaram ali 200 anos antes, durante a Grande Migração, local onde se estabeleceram, prosperaram e se tornaram uma das famílias mais tradicionais da região. O avô de Emily, Samuel Dickinson, foi um dos fundadores do Amherst College, a principal escola local. Foi ele também quem construiu, em 1813, a residência da família, uma grande mansão próxima ao College. Apesar do isolamento de Amherst, o estado de Massachussets era, em meados do século XIX, um dos mais avançados e industrializados do país, daí também que ecos de desenvolvimento, civilização e cultura tivessem chegado ao povoado.
Por exigência do pai, todos os três filhos tiveram uma educação excepcional para os padrões norte-americanos, incluindo o estudo em literatura e filosofia clássica, latim, botânica, geologia, história, e aritmética. Cresceram, portanto, pessoas muito cultas, com uma base intelectual sólida que permitiu a Emily desenvolver sua atividade literária.
Ela era desde a infância uma pessoa muito sensível, e muito cedo desenvolveu o pavor da morte, que mais tarde apareceria impresso e muitos de seus poemas. É particularmente significativo um caso ocorrido em 1844, quando ela tinha 14 anos, e viu uma de suas primas mais queridas, Sophia Holanda, adoecer e morrer de tifo. Emily ficou tão abalada com o episódio que passou meses em uma melancolia profunda que levou seus pais a enviarem a garota para uma temporada de “férias” com parentes em Boston. Mesmo depois de sua recuperação, porém, ela nunca se esqueceria do incidente, escrevendo sobre ele diversas vezes em seus diários.
As influências literárias
Emily passava suas tardes lendo, caminhando pelas colinas com seu cão ou na casa de algum de seus amigos e isso era tudo. Sua família era puritana, tendo sido ela criada segundo a doutrina do congregacionalismo Trinitário. Apesar de religiosa, nunca entrou para a Igreja.
Na adolescência, através da amizade com intelectuais da cidade e amigos com quem se correspondia em outras cidades, ela conheceu e se tornou leitora apaixonada das obras de William Wordsworth, Ralph Waldo Emerson, Henry Wadsworth Longfellow, John Keats e dos hinos de Isaac Watts. Tinha também especial apreço pelas escritoras mulheres de sua época, Lydia Maria Child e suas Cartas de Nova Iorque, e as britânicas Elizabeth Barrett Browning e Charlotte Brontë, da qual conhecera e se tornara entusiasta da obra Jane Eyre. Entre os clássicos, sua tinha particular apreço por Shakespeare.
Emily formou-se em 1847 na Academia de Amherst, e neste período trabalhava já como governanta em casas de famílias da cidade, uma das poucas profissões permitidas para as mulheres da época.
Durante estes anos, o que é significativo em sua biografia é a morte do acadêmico Leonard Humphrey, íntimo de Emily que aprofundou ainda mais a obsessão da garota pela morte, e a amizade como Susan Gilbert, sua maior confidente e a quem Emily enviou mais de trezentas cartas ao longo da vida. Muito mais tarde, depois da morte da escritora, a filha de Susan seria responsável por publicar uma coleção importante de poemas inéditos de Emily Dickinson, todos inclusos nestas correspondências.
Pouco se sabe sobre quando Emily teria começado a escrever poesia. Também muito poucos poemas de sua juventude sobreviveram à posteridade. O fato é que hoje se conhece apenas cinco poemas da escritora criados antes de 1958, ou seja, uma lacuna de ao menos uma década. Estes cinco textos teriam sido enviados por Dickinson de presente a amigos em datas especiais, e um deles foi publicado anonimamente e sem sua permissão em um jornal de Springfield.
O ano de 1958 foi, porém, um momento decisivo em sua vida, pois foi quando ela passou a organizar seu arquivo pessoal de poemas. Emily começou a fazer cópias manuais dos escritos e a unir as folhas costurando-as com linha, formando pequenos pacotes encadernados que ela então arquivava em um grande baú de madeira.
Publicações
Os primeiros poemas que Dickinson conseguiu publicar saíram entre 1861-62 na revista Republicano, graças à sua amizade com o editor Samuel Bowles. Foram os versos I taste a liquor never brewed e Safe in their Alabaster Chambers, ambos, porém, foram mutilados pelo editor antes de serem publicados.
Este era um procedimento comum entre os jornais e revistas da época, quando centenas às vezes milhares de escritores todos os anos tinham seus trabalhos publicados nestes periódicos. Muitas vezes, a má qualidade ou ousadia dos trabalhos levava os editores realizarem correções e censura aos textos, o que freqüentemente destruía completamente o sentido original da obra. Eram mudadas desde o título, palavras e expressões utilizadas na narrativa, e, no caso de Dickinson, mudanças em versos inteiros de seus poemas, com novas rimas e idéias. Ao longo da vida, a poetisa teve apenas sete de seus poemas publicados, todos na imprensa, e todos eles também, sem exceção, adulterados pelos editores. Se o fato de um escritor ser jovem e desconhecido já era motivo para ter seus texto alterados, quando se tratava de uma mulher poeta sem uma obra publicada, o abuso ia às alturas.
T. W. Higginton, um amigo e conselheiro
No ano de 1862 Emily Dickinson começou a se corresponder com o importante crítico literário Thomas Wentworth Higginson para que este lhe desse um conselho sobre seus poemas. Dickinson o conhecia apenas através de seus artigos publicados na Atlantic Monthly, mas o contato por correspondência entre os dois foi tão agradável que ambos tornaram-se grandes amigos, e Higginson, uma espécie de confidente e conselheiro literário dela. Em 1862, Higginson, ex-ministro e conhecido por suas posições abolicionistas radicais, publicou no Atlantic Monthlysua Carta a um jovem Colaborador, onde dava conselhos a um aspirante a poeta, recomendando que ele “carregasse seu estilo com vida”, ou seja, que tornasse a vida, a vida real a fonte de inspiração primordial de sua atividade literária. Emily Dickinson leu este artigo, e teria sido um dos motivos que a estimularam a escrever também para o crítico.
Na primeira carta a Higginson, Emily perguntava a ele sem rodeios: “Higginson, Senhor. Será que você vive demasiadamente ocupado para dizer se meu verso está vivo?”. Ela encaminha com o texto, quatro de seus poemas. A carta marcou o início de uma rica correspondência entre os dois durante anos. Eles só foram se encontrar pessoalmente pela primeira vez em 1870, encontro que deixou Higginson vivamente impressionado a ponto de confessar à sua esposa: “Eu nunca conheci alguém que tenha drenado assim minhas capacidades mentais. Mesmo sem a tocar, ela as tirou de mim. Fico aliviado de não viver perto dela”.
Apesar de Higginson ter apreciado as poesias da jovem escritora, aconselhou-a a não publicá-las, considerando seu estilo ainda pouco desenvolvido. Ele era um bom discutidor de assuntos de literatura com ela e a mantinha sempre a par do que estava acontecendo no mundo literário dentro e fora dos Estados Unidos. Anos mais tarde, Emily afirmaria que Higginson “salvara sua vida”, provavelmente pelo apoio e conselhos que deu a ela para que continuasse sua atividade.
A reclusão
O período mais produtivo da atividade de Emily Dickinson foi entre os anos de 1858 e 1866, o período imediatamente anterior à eclosão da Guerra Civil norte-americana. Ela escreveu nestes oito anos, mais de mil e cem poemas.
Os principais temas de seus escritos eram a morte, a imortalidade, a perda, a relação com a natureza e com Deus, mas, sobretudo e em primeiro lugar, sobre o amor.
Ela muito raramente mostrava seus escritos às pessoas próximas a ela, e durante a vida, se tornou mais tida como jardineira do que como escritora. Emily estudou botânica por nove anos e passava boa parte de seus dias nos jardins da residência familiar, reunindo uma coleção significativa de espécies exóticas. Gostava especialmente das flores que se destacassem pelo seu perfume. Ela costumava enviar esporadicamente buquês de flores com um de seus poemas aos amigos da cidade.
Em 1867 ela teve um colapso nervoso nunca consistentemente diagnosticado, mas o episódio teve grande importância em sua vida, pois, a partir daí, Emily passou a viver como uma verdadeira reclusa. Raramente ela era vista nas ruas da cidade, andando sempre em vestidos brancos. Em casa também, não recebia mais as visitas e várias vezes conversava com seus familiares através da porta do quarto. Recebia com entusiasmo apenas poucos amigos e parentes, e especial as crianças, filhas de seus primos e tios. Seu único contato com o mundo exterior eram as cartas que recebia dos amigos.
Dickinson viveu diferentes amores ao longo da vida. O primeiro deles foi Benjamin Newton, que trabalhava no escritório do pai de Emily. Era um jovem que a amava, mas que era muito pobre para se casar com uma moça da posição social dela. Ambos teriam se enamorado na adolescência de Emily, mas, sem nada concreto, teriam se separado quando o rapaz mudou-se para Worcester, onde ele morreu ainda em 1853. Uma das importantes inspirações amorosas dos primeiros poemas de Emily, portanto, fora seu caso frustrado com Newton, e sua morte teria motivado a primeira crise emocional séria da escritora.
A segunda paixão de Emily teria sido pelo reverendo Charles Wadsworth, que ela conhecera em visita à Filadélfia em 1860. Ele era um destacado pastor da paróquia local, 16 anos mais velho e casado. Ambos se corresponderam e provavelmente se viram uma única vez depois que se conheceram, em 1862. Fora isso, Wadsworth não era mais que uma paixão idealizada para ela, alguém com quem conversar em meio à solidão de Amherst.
Final
Nas últimas duas décadas em que viveu, entre 1860-1880, Emily produzia quase cinqüenta poemas por ano. Um problema que ela teve na vista provavelmente teve relação com esta redução súbita de sua atividade. O aumento também de suas responsabilidades familiares e administrativas da casa pode ter sido outro fator. Seu pai, o velho Dickinson, morreu ainda durante a Guerra Civil, em 1874. A mãe, extremamente abalada, sofreu um derrame no ano seguinte, permanecendo paralisada pelo restante de sua vida, desenvolvendo também problemas mentais e lapsos de memória. Emily, juntamente com sua irmã, revezava-se na função de enfermeira.
Neste meio tempo, também Emily viveu um romance com um velho amigo da família, o já viúvo juiz Otis Lord, membro do Supremo Tribunal Judicial de Salem e grande amante de literatura. Enquanto sua mãe inválida morreu em 1882, Lord morreu dois anos mais tarde.
A saúde de Emily por esta época, já aí estava bastaste comprometida. Os diversos colapsos nervosos que sofrera ao longo da vida a tornaram uma pessoa frágil. Sua última crise nervosa grave aconteceu em 1884, poucos meses após a morte do amante. Depois disso, ela nunca mais se recuperou, morrendo em 15 de maio de 1886, vítima de nefrite, após um prolongado período de agonia na cama. Um de seus pedidos a sua irmã, Lavínia, é que ateasse fogo em todos os seus papéis após sua morte.
A publicação póstuma de sua obra
A coleção de poemas de Emily Dickinson estava toda ela guardada dentro de seu grande baú de madeira. Um total de quase mil e oitocentos poemas foram catalogados por Lavínia Dickinson, todos devidamente numerados. Profundamente comovida com aquela obra colossal da irmã, Lavínia decidiu abandonar a idéia de destruí-la, e, ao contrário, lutou para conseguir sua publicação;
Lavínia recorreu então a Mabel Loomis Todd, uma professora de astronomia, esposa de Austin Dickinson, que nunca conheceu Emily, mas de bom grado a ajudou a reunir um extrato significativo daquele trabalho. Elas organizaram o material, revisaram, fizeram correções de sintaxe, alteraram rimas, cortaram versos e deram títulos aos que não tinham. Assim elas prepararam um primeiro volume, bastante mutilado, de poemas da escritora,Poems lançado em 1890 com 115 de seus trabalhos. Nele estavam inclusos poemas que ainda hoje estão entre seus mais populares, como I taste a liquor never brewed, Much Madness is divinest Sense e Because I could not stop for Death.
A este primeiro livro se seguiram rapidamente outros dois volumes, Poems, Second Series e Poems, Third Series, publicados respectivamente em 1891 e 1896.
Mais de uma década mais tarde, foi uma sobrinha de Emily, Martha Dickinson Bianchi, quem se encarregou de dar seguimento à publicação da obra da escritora. Em 1914 ela publicou uma coletânea poética que sua mãe, Sarah Dickinson, já havia organizado anos antes. Era The Single Hound, contendo 146 poemas inéditos da escritora.
Quatro novos volumes de poemas de Emily Dickinson foram publicados nas três décadas seguintes. Bolts of Melody, de 1945, foi o mais importante deles, publicado por Mabel Todd e sua filha a partir da correspondência que não estava em poder de Lavínia Dickinson. Foram publicadas aí 660 obras inéditas de Emily.
O resgate mais decisivo da obra de Emily Dickinson se deu em 1955, quando o estudioso Thomas H. Johnson preparou pela Harvard University Press, a primeira obra completa das poesias de Dickinson, dividia entre três volumes e organizadas em ordem cronológica. Ele realizou aí um importante trabalho de revisão dos escritos originais da escritora, sem as alterações de sua irmã, e comparando diferentes versões de um mesmo poema para chegar à versão definitiva concebida por Emily. Esta edição de Johnson foi o projeto mais sério já realizado de estudo da obra da poetisa até então. Estes livros editados por ele foram também, e até hoje, tomados como a edição definitiva dos escritos de Dickinson. Thomas H. Johnson organizou e publicou também, em três volumes, uma edição das Cartas de Emily Dickinson.
A primeira biografia importante surgida sobre ela foi obra de George Whicher, que publicou uma biografia crítica precocemente, ainda 1938. Depois disso, foi apenas em 1951 que Richard Chase escreveu um novo estudo baseando-se também nos textos dela publicados nos anos seguintes. Thomas H. Johnson foi autor também de uma importante biografia sobre ela, Emily Dickinson: Uma Biografia Interpretativa. Outros trabalhos importantes incluem Os anos e as Horas de Emily Dickinson, publicado em 1960 por Jay Leyda; e Retrato de Emily Dickinson: a poetisa e sua prosa, de 1967, escrito por David Higgins.
Da mesma forma, os estudos críticos da obra da escritora, bem como a inclusão de seu nome nas histórias da Literatura norte-americana, datam todos da década de 1960, quando o surgimento de um vigoroso movimento feminista trouxe um renovado interesse pela história das grandes escritoras negligenciadas na história dos Estados Unidos. Hoje seu nome está firmemente assentado na história literária internacional, e como afirmou o crítico Otto Maria Carpeaux, Emily Dickinson “é considerada, hoje, como o maior poeta americano. Não inspirará nunca admiração perplexa, como Poe, nem será tão popular como Whitman. É poesia para os poucos poet’s poetry”.
Não há melhor fragata que um livro para nos levar a terras distantes.
Emily Dickinson
Tudo o que sabemos do amor, é que o amor é tudo que existe.
Emily Dickinson
Pela sede, aprende-se a água.
Emily Dickinson
O êxito parece doce a quem não o alcança.
Emily Dickinson
A beleza não tem causa. É. Quando a perseguimos apaga-se. Quando paramos – permanece.
Emily Dickinson
A natureza é o que sabemos / sem ter a arte de exprimi-lo.
Emily Dickinson
Todo meu patrimônio são meus amigos.
Emily Dickinson
A palavra morre
Quando é dita,
Alguém diz.
Eu digo que ela começa
A viver
Naquele dia.
Emily Dickinson
I’m nobody! Who are you?
Are you nobody, too?
Then there’s a pair of us — don’t tell!
They’d banish us, you know.
How dreary to be somebody!
How public, like a frog
To tell your name the livelong day
To an admiring bog!
Emily Dickinson
As visões poéticas de Emily Dickinson
Emily Dickinson nasceu em Amherst, Massachusetts, nos Estados Unidos da América do Norte, a 10 de Dezembro de 1830. Foi a segunda filha de Edward eEmily Norcross Dickinson.
Emily teve uma ótima formação escolar e chegou a cursar, durante um ano, o South Hadley Female Seminary. Abandonou o seminário após se recusar, publicamente, a declarar sua fé. Quando findou os estudos, Emily retornou à casa dos pais para deles cuidar, juntamente com a irmãLavínia que, como ela, nunca se casou.
Em torno de Emily, construiu-se o mito acerca de sua personalidade solitária. Tanto que a denominavam de a “Grande Reclusa”. É importante que se diga que o comportamento de Emily era próprio do modelo feminino que imperava naquela parte dos EUA, à época. Emily deixou sua vida reclusa em raras vezes. Em toda sua vida, apenas fez viagens para a Filadélfia, para tratar de problemas de visão, outras duas para Washington e Boston. Foi numa destas viagens que Emily conheceu Charles Wadsworth e Thomas Wentworth Higginson, que teriam marcada influência em sua vida e inspiração poética.
Charles Wadsworth, um clérigo de 41 anos, conheceu Emily quando ela viajou à Filadélfia. Alguns críticos dizem que grande parte dos poemas de amor escritos por Emily dirigiam-se a ele. Mas quase tudo que se sabe sobre sua vida tem como fonte as correspondências que ela manteve com algumas pessoas, como Susan Dickinson, sua cunhada e vizinha. Colegas de escola, familiares e alguns intelectuais, como Samuel Bowles, o Dr. e a Sra. J. G. Holland, T. W. Higginson e Helen Hunt Jackson, também se corresponderam com ela. Nestas cartas, além de tecer comentários sobre a sua vida, também costumava remeter alguns poemas.
Por volta de 1858, Emily começou a confeccionar seus livros manuscritos e encadernados à mão, que ela chamava de fascículos. De1860 a 1870 sua produção foi intensa e chegou a compor centenas de poemas a cada ano. Em 1862, remeteu quatro poemas ao crítico Thomas Higginson que, por não compreender inteiramente sua poesia, aconselhou-a a não publicá-los.
A partir de 1864, já com problemas de visão, diminuiu um pouco o ritmo de seu trabalho literário. E, apesar de sua prolífica obra, Emily Dickinson, autora de cerca de 1800 poemas e quase 1000 cartas, não chegou a a ver publicado nenhum livro , enquanto viveu. Há apenas registros de algumas publicações anônimas de alguns poemas. Toda a sua obra foi editada após sua morte, ocorrida em 15 de maio de 1886, na mesma cidade em que nasceu.
A edição crítica completa, , com 1775 poemas, foi organizada por Thomas H. Johnson e ocorreu somente em 1955, após a transferência de seu acervo para a Universidade de Harvard. Posteriormente acrescida de outros poemas, em 1999. Outra edição, feita em 1999, com 1769 poemas, foi organizada por R. W. Franklin.
A casa onde ela nasceu e viveu, construída por seus avós Samuel Fowler eLucretia Gunn Dickinson , que ficou conhecida como “The Homestead” (A Casa Rural) permanece aberta para visitação, no período de março a dezembro.
Segundo Augusto de Campos, um de seus tradutores para a língua portuguesa, a poesia de Emily Dickinson se aproxima, de certa forma, ao Hai-Kai: “Emily é muito sintética, seus poemas são, em geral, muito breves, e ela é capaz de captar um momento insubstituível de observação ou de reflexão poética com um mínimo de palavras. ‘Um romance num suspiro’, como disseSchoenberg a propósito de Webern. Seus poemas são pequenas ‘iluminações’. Mas não são poemas circunstanciais. São muito elaborados e ao mesmo tempo surpreendentes”.
Obras
- Poems by Emily Dickinson – Organização de Mabel Loomis Todd & T. W. Higginson. Boston: Robert Brothers, 1890.
- The poems of Emily Dickinson, 3 volumes. Organização de Thomas H. Johnson. Cambridge: The Belknap Press, Harvard University Press, 1955.
- The letters of Emily Dickinson, 3 volumes. Organização de Thomas H. Johnson & Theodora Ward. Cambridge: The Belknap Press, Harvard University, 1958.
- The complete poems of Emily Dickinson. Organização de Thomas H. Johnson. Boston e Toronto: Little, Brown and Company, 1960.
- The manuscript books of Emily Dickinson, 2 volumes. Organização de R. W. Franklin. Cambridge e Londres: The Belknap Press, Harvard University Press, 1981.
- The masters letters of Emily Dickinson. Organização de R. W. Franklin. Amherst: Amherst College Press, 1986.
- The poems of Emily Dickinson. Organização de R. W. Franklin. Cambridge e Londres: The Belknap Press, HarvardUniversity Press, 1999.
- Poemas Escolhidos – Trad. Ivo Cláudio Bender. L&PM Editores.
- Um Livro de Horas – Trad. Ângela Lago. Editora Scipione.
- Não Sou Ninguém – Trad. Augusto de Campos. Editora Unicamp.
- Alguns Poemas – Trad. José Lira. Editora Iluminuras.
ALGUNS POEMAS DE EMILY DICKINSON
Tradução de João Ferreira Duarte, em “LEITURAS, poemas do inglês”, Relógio de Água, 1993
I
It was not Death, for I stood up,
And all the Dead, lie down –
It was not Night, for all the Bells
Put out their Tongues, for Noon.
It was not Frost, for on my Flesh
I felt Siroccos —rawl —
Nor Fire — for just my Marble feet
Could keep a Chancel, cool —
And yet, it tasted, like them all,
The Figures I have seen
Set orderly, for Burial,
Reminded me, of mine —
As if my life were shaven,
And fitted to a frame,
And could not breathe without a key,
And ’twas like Midnight, some —
When everything that ticked — has stopped —
And Space stares all around —
Or Grisly frosts — first Autumn morns,
Repeal the Beating Ground —
But, most, like Chaos — Stopless — cool —
Without a Change, or Spar —
Or even a Report of Land —
To justify — Despair.
Não era a Morte, pois eu estava de pé
E todos os Mortos estão deitados —
Não era a Noite, pois todos os Sinos,
De Língua ao vento, tocavam ao Meio-Dia.
Não era a Geada, pois na minha Carne
Sentia Sirocos – rastejarem —
Nem Fogo — pois só por si os meus pés de Mármore
Podiam manter frio um Presbitério —
E contudo sabia a tudo isso ao mesmo tempo;
As Figuras que eu vi,
Preparadas para o Funeral,
Faziam-me lembrar a minha –
Como se me tivessem cortado a vida
E feito à medida de moldura,
E eu não pudesse respirar sem chave,
E foi um pouco como a Meia-Noite —
Quando todos os relógios — pararam —
E o Espaço olha à volta —
Ou Terríveis geadas — nas primeiras manhãs de Outono,
Revogam o Palpitante Solo —
Mas foi sobretudo com o Caos — frio — Sem-Fim —
Sem Ensejo nem Mastro —
Nem mesmo Novas de Terra —
A justificar — o Desespero.
II
Bloom — is Result — to meet a Flower
And casually glance
Would scarcely cause one to suspect
The minor Circumstance
Assisting in the Bright Affair
So intricately done
Then offered as a Butterfly
To the Meridian —
To pack the Bud — oppose the Worm —
Obtain its right of Dew —
Adjust the Heat — elude the Wind —
Escape the prowling Bee
Great Nature not to disappoint
Awaiting Her that Day —
To be a Flower, is profound
Responsibility —
Florescer — é Resultar — quem encontra uma flor
E a olha descuidadamente
Mal pode imaginar
O pequeno Pormenor
Que ajudou ao Incidente
Brilhante e complicado,
E depois oferecido, tal Borboleta,
Ao Meridiano —
Encher o Botão — opor-se ao Verme —
Obter o que de Orvalho tem direito —
Regular o Calor — escapar ao Vento —
Evitar a abelha que anda à espreita,
Não decepcionar a Grande Natureza
Que A espera nesse Dia —
Ser Flor é uma profunda
Responsabilidade —
III
I’m Nobody! Who are you?
Are you — Nobody — Too?
Then there’s a pair of us!
Don’t tell! they’d advertise — you know!
How dreary — to be — Somebody!
How public — like a Frog —
To tell one’s name — the livelong June* —
To an admiring Bog!
Eu sou Ninguém! E tu quem és?
Também tu és — Ninguém?
Então somos dois? Não digas nada!
Haviam de apregoar — sabes!
Como é aborrecido — ser — Alguém!
Como é público — qual rã —
Dizer-se o nome — Junho fora* —
A um Charco admirador!
* Com todo respeito ao tradutor, a frase assinalada parece soar melhor com outra versão, mais apropriada ao termo utilizado pela autora: “the livelong June”, ou seja, “o interminável Junho” (C. de A.)